Marina 40 anos , Paris
Já alguma vez teve aquela sensação em que o chão se abre debaixo dos seus pés e é puxado para baixo?
Esse sentimento onde nada voltará a ser o mesmo.
Quando o meu irmão me disse que ele era gay, não era a notícia do ano. Tomei a notícia como se me estivesse a dizer para cortar o cabelo. Nada mudou para mim.
Claro que não foi tão fácil para algumas pessoas que equiparam a homossexualidade ao HIV, à SIDA... Pessoalmente, nunca pensei que este vírus fosse a doença de uma determinada comunidade...
Naquele dia, em Novembro de 2008, quando recebi o telefonema do meu irmão, pude ver pela sua voz que algo se passava. Ele acabou de me dizer "Mari, fiz um teste"... é engraçado como por vezes se tem um sexto sentido. Eu disse-lhe "merda, é positivo". Peguei nas minhas coisas e deixei o trabalho para me encontrar com ele em sua casa.
Fiz um teste... há milhares de testes. Porque pensaria sequer na merda do teste do "VIH"... quem sabe...
Telefonei ao meu marido para o informar e ele perguntou-me se eu queria que ele se juntasse a mim. Eu disse-lhe que sim. Eu precisava que ele estivesse connosco naquele momento. Eu sabia que ele não diria nada, mas a sua presença tranquilizou-me e mostrou ao meu irmão que estávamos lá para ele.
Na verdade não, naquele momento eu não estava de todo a pensar nisso... de qualquer forma é apenas um detalhe.
Conheci o meu irmão no seu apartamento. Tomei-o nos meus braços e tranquilizei-o o melhor que pude. Tive de absorver e digerir as notícias e não foi fácil quando estava calor. Muitas perguntas passavam pelas nossas cabeças... sem respostas.
O "como" surgiu, mas foi tão pouco importante que passámos a "e agora"? E agora o que fazemos... para os nossos pais e irmã, decidimos dizer-lhes pessoalmente e isso seria no Natal. Pode imaginar o dom emocional...
E quanto ao resto... O que estava a ser positivo? Qual foi o procedimento? O que era o resto...
Depois de uma noite irrealista com os amigos do meu irmão intercalada de risos, lágrimas, tarte de pastor... chegámos a casa. No carro, eu e o meu marido não falámos de mais nada a não ser "aquilo". Não pude evitá-lo, pensei "como pode ele ser tão descuidado"? Posso dizê-lo agora, culpei-o por nos ter feito passar por esta provação. Pensei na reacção dos meus pais (especialmente da minha mãe), da minha irmã... Depois recompus-me e disse a mim próprio que os meus sentimentos não eram o mais importante. A parte mais difícil estava para vir, a mais difícil para ele. Era no meu irmão que eu tinha de pensar.
Nos dias que se seguiram, fiz a mim próprio muitas perguntas. O que era ser positivo? Como se pode viver com o vírus? O tratamento? Relacionamentos com outros? Eu precisava de respostas e encontrei-as na AIDES. Marquei um encontro com um voluntário e fui lá uma tarde depois do trabalho. Falámos de tudo o que me estava a preocupar. Preconceitos, clichés, medos, rejeição, tratamento... Esvaziei a minha mala na frente de um estranho e ele foi muito gentil. Senti-me calmo e reconfortado.
Não, o meu irmão não ia morrer. Não, ele não seria uma cópia pálida de Tom Hanks. Sim, ele seria feliz, teria uma vida cheia de amor...
De volta a casa, escrevi tudo.
As semanas seguintes passaram com altos e baixos e birras.
O meu irmão estava muito rodeado pelos seus amigos que tinham a sua própria abordagem da situação, as suas próprias ideias sobre o que fazer...
Quando penso nisso agora, faz-me sorrir, mas, na altura, os naturopatas e os medicamentos alternativos estavam fora da minha vista. Nunca me perguntei sobre a eficácia da homeopatia ou qualquer outra coisa.... E eu não podia deixar o meu irmão acreditar que comer sementes e parar os lacticínios iria curá-lo.
É claro que estou a caricaturar a cena, mas já se percebeu a ideia... Para mim só a ciência e os protocolos clássicos poderiam neutralizar as suas tretas. Posso ter sido um pouco prescritivo sobre o assunto, mas não podia deixar o meu irmão esperar um milagre...
Senti-me responsável por ele. Na altura, a nossa família não o sabia e eu tinha exercido pressão sobre mim próprio... alguém tinha de se manter racional e consistente.
Olhando para trás, penso que o meu irmão precisava de se agarrar a qualquer coisa.
Se apenas beber chá de ervas se livrasse deste vírus.... Mas infelizmente...
Depois veio o anúncio. Natal, festas, presentes, o meu riso... com o meu estômago em nós a pensar que íamos arruinar tudo. Eu sabia que o meu irmão não teria força para falar. Tive de o fazer por ele, por nós. Tinha as minhas notas comigo. Tirei tudo para fora... um alívio. Não sei como se sentiram sobre esse momento, nunca mais falámos sobre ele. Acho que os tranquilizei com "as minhas notas" e respondi às suas perguntas antes mesmo de as fazerem. Mais uma vez, a nossa família foi grande e mostrou que éramos unidos e fortes. Nada o poderia quebrar, muito menos esta porcaria toda.
10 anos mais tarde, mudámos muito. Infelizmente, nem todos à mesma velocidade. O que tem sido "positivo" para a nossa família não é óbvio para todos.
O medo do desconhecido, a rejeição do outro, a ignorância e a indiferença têm e terão sempre vítimas. Como podemos ainda aceitar em 2018 que os seropositivos se sintam sozinhos, pedir desculpa por existirem, esconder-se, esconder-se, aparecer em vez de ser, querer desaparecer para não fingir mais...
Os únicos que se devem envergonhar são aqueles que rejeitam, que abandonam, que negligenciam. São certamente NEGATIVOS, mas no final é toda a sua vida que é NEGATIVA.
Sou um optimista por natureza e espero que a serofobia, como todas as fobias da outra, acabe por desaparecer.
Eu quero ser POSITIVO.
Isabelle 43 anos, Vienne
25 de Dezembro de 2008.
É tarde, venho do trabalho depois de 3 dias sem parar e estamos a celebrar o Natal, este ano é em casa, que alegria estar com a família ....
E depois acho que eram cerca das 20h e tentaste falar com a mãe, o pai e eu e não o conseguiste fazer .... O marido toma conta e divulga a notícia.
Remi é seropositivo!
Ouço-me a gritar, abraço-te, choro e ouço... Mari fala, ela explica, está tudo bem...
Oh realmente!!! Não está nada bem!!!
Ela persiste, eu ouço-te a ti e à Mari e pouco a pouco o pânico deixa-me, não vais morrer, há um tratamento, vais viver e ficar bem, vai levar tempo mas vais viver.... Estou realmente assustado, amo-te tanto que estou cheio de medo.
Conheço a sua médica em Paris e ela explica o processo, a tripla terapia, o que vai significar para si, mas ela é tranquilizadora, vai viver e ficar bem... Estou a chorar, caramba! Que alívio! O seu médico levanta o véu sobre a doença, permite-nos compreender que os nossos medos e preconceitos são infundados, e assim o medo desaparece. Bem, na realidade ainda lá está, mas tenho confiança. Confie no seu médico, afinal de contas é o seu trabalho! Ela sabe, por isso confio nela.
Eu confio em ti, és forte, duvidas, sofres, mas és forte! Com o passar dos anos, apercebo-me que penso cada vez menos nisso, de vez em quando revolto-me contra os idiotas e os seus preconceitos e faço questão de lhes mostrar a sua ignorância, educo os meus filhos, os vossos sobrinhos, na tolerância e digo a mim próprio que funciona porque eles vos amam como loucos. Ensino-lhes a verdade sobre a vossa doença, mas acima de tudo explico-lhes para nunca reduzirem as pessoas a uma pequena parte de si mesmas, mas para as amarem pela sua totalidade ou não. És uma pessoa maravilhosa e eu sofro da ignorância de algumas pessoas que te faz sofrer. A sua abordagem com este blog é certamente uma saída mas também uma vontade de levar o máximo possível a uma tomada de consciência, é intolerável rejeitar uma pessoa por uma ínfima parte dele quando se trata de um ser maravilhoso na sua totalidade! O medo é o que, na minha opinião, pode explicar a rejeição, mas não é melhor obter informação, ouvir as verdades e confiar. Graças à médica que conheci nesse dia, ela soube como evitar que eu tivesse medo.
Eu amo-te.
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